Na Odisseia de Homero, este trecho exemplifica as dificuldades de se resistir às tentações da vida:
“Iniciada a viagem de volta, Odisseu e sua tripulação passaram pelas costas da Sicília, terra das sereias. As sereias eram ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com seu canto todos que o ouvissem, de modo que os infortunados marinheiros sentiam-se irresistivelmente impelidos a correr para elas atirando-se no mar, onde encontravam a morte. Instruído por Circe, Odisseu ordenou que todos tapassem os ouvidos com cera. Curioso em ouvir o canto das sereias, mas não querendo correr perigo, pediu que o amarrassem no mastro, proibindo-os de soltá-lo sob qualquer pretexto, nem que ele próprio pedisse, até terem passado pela ilha. Essas instruções não foram inúteis, pois ao ouvir as doces vozes e as promessas sedutoras das sereias ele ordenou várias vezes que o soltassem; felizmente, os marinheiros não o fizeram. E assim todos conseguiram resistir, embora não facilmente, às tentações do canto das sereias.”
Marshmallows
Um famoso estudo do final dos anos 1960 realizado por Walter Mischel da Universidade de Stanford utilizou marshmallows para avaliar o comportamento de crianças pré-escolares no que diz respeito à gratificação imediata e à gratificação postergada. Se eles resistissem à tentação de comer um marshmallow, seriam recompensados com mais um doce alguns minutos depois. Algumas das crianças resistiram, outras não como pode ser visto no vídeo:
Um acompanhamento com os pais e professores dessas crianças, após alguns anos, revelou que aquelas que souberam aguardar pelo retorno do pesquisador se tornaram jovens mais seguros, decididos e bem-sucedidos. Tal experiência confirmou que pessoas pacientes, que conseguem aguardar os melhores momentos de uma situação para tomar ações, conseguem alcançar o sucesso com mais facilidade do que aquelas que são impulsivas e agem sem pensar.
Mais tarde, em 2011, cientistas fizeram um acompanhamento da pesquisa revisitando algumas das mesmas crianças, hoje adultos.
O estudo mostrou que as diferenças permanecem: os melhores em adiar a gratificação enquanto crianças continuam assim como adultos, e aqueles que queriam seus doces de imediato eram mais propensos a procurar gratificação instantânea quando adultos.
Além disso, imagens do cérebro mostraram diferenças fundamentais entre os dois grupos em duas áreas: o córtex pré-frontal e o estriado ventral.
“Esta é a primeira vez que localizamos as áreas específicas do cérebro relacionadas com a gratificação postergada. Isto poderia ter grandes implicações no tratamento da obesidade e de vícios”, diz o autor principal do estudo, o Dr. B. J. Casey.
No estudo atual, Casey recrutou 59 adultos que participaram quando crianças do estudo original. Como marshmallows são menos gratificantes para adultos, os pesquisadores realizaram outros testes.
Os resultados mostraram que o córtex pré-frontal do cérebro é mais ativo para quem espera a gratificação, e o estriado ventral, uma área ligada a vícios, era mais ativa em quem deseja gratificação imediata.
Os Problemas Financeiros dos Pobres e a Gratificação Imediata
Em estudo realizado por um grupo de pesquisadores e publicado no livro “Consumo na Base da Pirâmide” foi constatado que os problemas financeiros vividos pelas pessoas pobres originavam-se tipicamente de eventos inesperados que rompiam a linearidade do dia-a-dia. Como exemplo: desemprego, redução de renda, gravidez, separação, doença ou morte.O resultado era a inadimplência ou o pagamento da dívida.
A análise de relatos mostra uma sequência de eventos negativos que agravavam a situação:
Nilda: Prestações > desemprego > inadimplência > aumento da família > novo emprego com redução de renda > nome sujo
Juciara: Empréstimo para obra > desemprego > agiota > pagamento de dívida
Maria: Empréstimo para conserto da Kombi > roubo da kombi > perda do ganha-pão > agiota > ameaça de morte > venda da casa
Por que as pessoas pobres então não se encontram preparadas para esses eventos, que são, de certa forma, previsíveis?
Hipótese 1: Não há sobras o que impossibilita a poupança.
Para esta hipótese foi verificada uma incoerência no padrão comportamental dos entrevistados, pois ao mesmo tempo que afirmavam não terem sobras, utilizavam-se de cartões de prestações. Esta capacidade de pagas prestações e juros é chamada de “poupança invertida”, por mostrar a capacidade de fazer sobrar quando preciso. Em suma é a preferência do indivíduo de acumular bens em vez de poupar.
Hipótese 2: Consumismo ou Consumo compensatório.
Alguns autores observam que a inadimplência dos pobres encontra-se frequentemente associada a consumismo (gastar mais do que pode) ou consumo compensatório (adquirir bens como forma de compensar as dificuldades da vida). Porém os relatos dos entrevistados mostra que são os eventos inesperados (desemprego, doença, divórcio...) que geram o desequilíbrio financeiro.
Hipótese 3: Gratificação imediata x gratificação postergada.
Uma terceira explicação seria que as classes sociais mais baixas buscariam a gratificação imediata em detrimento da gratificação postergada. Porém, o estudo não constatou a dominância de visão de curto prazo. As pessoas faziam planos concretos para o futuro como adiar filhos ou privação de consumo para aquisição de casa própria. No entanto, não se descartou a gratificação imediata como tendo certo peso nas decisões dos entrevistados. A compra de bens a prestação pode ser tomada como evidência.
Em síntese, a gratificação imediata explicaria o fato das pessoas não acumularem reservas. No entanto, talvez a melhor explicação esteja associada às práticas de empréstimo comercial pelas lojas que não costumam conceder descontos por pagamentos à vista. Temos aqui uma das práticas mais perversas dos lojistas brasileiros: a inclusão sorrateira dos juros nos preços “à vista” dos produtos. Em 99% dos casos não há a opção de pagar à vista “com desconto” já que o preço parcelado é o mesmo do preço de parcela única, o que força o consumidor a absorver os juros escondido no preço à vista ou assumir uma divida de longo prazo em forma de pagamento parcelado. Mas isto é assunto para outro post...
Bom pessoal, espero que tenham gostado deste post, para pessoas que ainda não conheciam o teste do marshmallow pode ser algo realmente revelador.
Nesta curta palestra na TED, Joaquim de Posada compartilha seu experimento sobre gratificação postergada. Ele mostra um vídeo impagável de crianças resistindo a comer o marshmallow, associando a autodisciplina ao sucesso.
Fontes consultadas:
Resenha Odisseia por Jolanda Gentilezza
Marshmallow test points to biological basis for delayed gratification
Consumo na Base da Pirâmide - Estudos Brasileiros
Olá, UB!
ResponderExcluirEsse teste do Marshmallow é bem interessante mesmo. Antes de analisarmos ROE, retornos, FII, deságio patrimonial, operar "short"/"long", etc, etc, deveríamos nos perguntar se a gente tem força de vontade para adiar o Marshmallow não por alguns minutos como as crianças, mas por alguns anos como investidores. Se sim, eu acho que mais de metade do caminho já está trilhado, independente da estratégia (desde é claro que alguns filtros mínimos sejam respeitados).
Abraço!
O video dos meninos resistindo ao doce é revelador, veja que aqueles que resistiram não ficaram simplesmente olhando para o doce, se tivessem ficado olhando não resistiriam. Veja que inconsicentemente lançaram mão de estratégias, tipo, dar uma cheiradinha, arrancar uma lasquinha, brincar com a roupa, olhar para os lados... É muito difícil lidar com a natureza humana, fomo programados para lidar com o presente, para comer o doce rapidamente, como um instinto animal, temos então que usar o racional para lidar com o emocional. O emocional fala: coma. o racional fala: não coma para poder comer dois daqui a pouco. É uma luta diária...
ExcluirQue viagem, amigo UO!
ResponderExcluirUma odisseia...
ExcluirCara esse post foi fantástico. Quando eu era pequeno nós vivíamos em condições bem difíceis, mesmo assim meu pai sempre comprou produtos de qualidade. Ele me ensinava assim "demore o tempo que for para adquirir um bem, mas quando comprar, compre um que preste". Assim eu fui aprendendo que postergar para conseguir algo melhor era bom.
ResponderExcluirApesar disso, depois que comecei a ter meu próprio dinheiro já cometi vários deslizes por imediatismo, e sempre me arrependo. Sou extremamente ansioso (acho que isso é mal da minha geração), e isso colabora com os erros.
Mas isso que você postou é fundamental para acumulação de riqueza ou sucesso em geral.
Abraços.
Olá Thales, obrigado! Assim como seu pai lhe ensinou, pretendo ensinar ao meu filho. Mas assim como você cometeu deslizes mesmo tendo bons ensinamentos, ele também terá. O importante é instruí-lo a lidar com os delizes e acertos.
ExcluirAbraço!
Muito bom esse teste, a disciplina e a inteligência emocional tem grande importância no sucesso de qualquer estratégia e nos investimentos se forem fazer algum estudo a maioria não aguenta esperar os 15 minutos do doce e muitos comem e já querem o segundo doce.
ResponderExcluirÉ um ensinamento de vida né Fábio? Vale para investimentos e tudo mais..
Excluirabraço!
Caro Uo, você se superou! Puta post!
ResponderExcluirOpa!
ExcluirMuito obrigado Rodrigo!
Grande abraço!
Uó, foi seu melhor post, muito bacana e instrutivo.
ResponderExcluirO TED tem palestras fantásticas sobre tudo, especialmente na área de finanças.
Abraços,
Carioca
Ô Carioca, muito obrigado! Fico feliz de ter contribuído. Abraço
ExcluirUó,
ResponderExcluirMuito bacana essa reflexão! É aquela coisa, quem tiver disciplina e paciência, certamente colherá ótimos frutos em um futuro próximo.
Abraços.
Disciplina é algo que todos nós sabemos que precisamos mas que nem sempre conseguimos executar. O ser humano é indisciplinado por natureza, rs.
ExcluirO guardiao ta chateadinho, precisa de atençao, coitado. Fica vidrado o dia todo com cotaçao, fez até um post sobre uma camisa nova que comprou. kkkkk Dei muita risada, pena q depois apagou, imagina a vida amarga desse cara, jah vai tarde amigao.
ResponderExcluirPois é, ele está passando por um período de reflexão, todo mundo passa...
ExcluirNa minha opinião o grande problema e o elevado custo dos produtos e serviços a qual somos submetidos. Poderíamos economizar e gastar mais se os preços no Brasil não fossem tão proibitivos.
ResponderExcluirOs turistas ficaram impressionados com o preço dos produtos e serviços brasileiros. Você compra um sapato, uma roupa, vai a um restaurante, vai ao mercado, á farmácia e se sente explorado.
E jeito e morar na casa da sogra.
A alta carga tributária do Brasil é perversa, se pelo menos ela fosse usada para investimentos em prol do país. Hoje o governo arrecada 36% do PIB, é quase o dobro da média dos BRICs (Rússia, 23%; Índia, 13%; China, 20% e África do Sul, 18%.), Na América Latina, só perdemos para a Argentina, ora vivendo uma forte crise econômica (que fechou com uma carga tributária de 37,30%, um pouco superior à nossa, de 36,42%). O Uruguai, que tem o terceiro maior nível de tributação, fechou com 26,30%; o México, com 19,60%, mesmo percentual da Colômbia. Na moribunda Venezuela, a carga chega a meros 13,70%; e, na Guatemala, temos a menor carga tributária, equivalente a 12,30%. somente 18 (dezoito) economias mundiais têm um Produto Interno Bruto (PIB) maior do que o montante de tributos que os brasileiros pagaram em 2013.
ExcluirÉ triste mas é real...
Prezado, esse é só um fator dentre tantos outros que compõem o chamado custo Brasil, interessante que a carga tributaria da Rússia, um pais que foi comunista, seja inferior a do Brasil, mas além da carga tributaria temos uma baixíssima produtividade que decorre de vários fatores tais quais má qualificação da mão-de-obra e péssima infraestrutura. Investir no Brasil é um ato de fé.
ResponderExcluirJustamente, capital humano baixíssimo. Um trabalhador alemão médio gera de 4 a 5 vezes mais valor que um trabalhador brasileiro. E isto não vai mudar tão cedo.
ExcluirEm resumo, o brasileiro já é privado de muitos bens pelo sistema de preços, desta forma poupar ou não é uma opção pra poucos e não um problema de escolha.
ResponderExcluirNão sei não, meu pai, uma profissional de nível técnico, quatro filho em casa, poupou a vida inteira e formou um engenheiro, uma médica e uma advogada. Para isto teve que abrir mão de muita coisa, levando um estilo de vida estritamente frugal. Hoje vejo meu vizinho com carro zero na garagem e 57 prestações a serem pagas, para mim não faz sentido. Na maior parte dos casos poupar é escolha sim, penso desta forma.
ExcluirE o outro irmão? Ovelha negra? Rsrs
ExcluirOk, Gratificação Postergada é melhor que Gratificação Imediata. Porém não ter Gratificação nenhuma é melhor ainda. É igual ao cara que corre pra ter como recompensa um corpo mais saudável e bonito (Gratificação Postergada). Que tal se a corrida em si for a própria recompensa. Que tal só aceitar trabalhar em algo que gosta de verdade (algo que faria de graça), ao invés de poupar para aproveitar lá na frente.
ResponderExcluirDifícil viver sem gratificação alguma. O ser humano é movido por prazeres, fomos programados assim.
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ResponderExcluirO principal defeito que vejo é não assumir a responsabilidade, quase todo imprevisto é realmente previsível mas pobre é otimista demais. Um amigo falou que tava sem saída , comentei que poderia liquidar o carro sair da parcela pegar uma mixaria e comprar uma bike pra trabalhar já que mora a menos de 10km do trabalho e a esposa já possui outro carro , me olhou com desdem quando disse isso praticamente ofendi o rapaz .
ResponderExcluirEsse dicotomia da gratificação é de fato, uma das principais armadilhas que fazem as pessoas não atingirem a IF. Competição, falsa sensação de bem estar e outros modelos mentais fracassados criam um ciclo vicioso que impedem que as pessoas sejam livres de verdade. No fundo, como comentei lá no blog do Inglês, as pessoas tem medo de assumir a verdadeira responsabilidade e protagonismo em suas vidas e ficam encontrando outros bodes expiatórios para justificar a posição que sempre vão estar.
ResponderExcluirAbraços, Uó!
Muito bom Uó, gostei do post. O momento de plantar a semente não é o momento para comer a fruta!
ResponderExcluirExcelente Post...
ResponderExcluirMe identifiquei com vários pobres. Já passei por essas fases de endividamento. Só não me envolvi com agiota.
Depois com o tempo virei a página e por alguns meses virei agiota...kkkk
Mas por pouco tempo, pois logo peguei a grana de volta e agora só investimentos.
Bom post Uo.
ResponderExcluirEssa do marshmallow eu tinha lido em algum livro.
Tenho adiado muita coisa, mas por um bem maior.
Abraço!
Ótimo post.
ResponderExcluirAssim, a gente tem de viver o presente mais sempre construindo o futuro.
Cada dinheiro que você pouca e investe agora, vai ser muito mais dinheiro lá na frente.
Espero que mais brasileiros percebam isso e passem de endividados a investidores.
Abraço e bons investimentos.
Obrigado por compartilhar, achei muito interessante.
ResponderExcluirAbraços,
investidorsolitario.com.br
Cara, que texto irado.
ResponderExcluirIlustra bem o comportamento das pessoas.
Vai ter share em todas minhas redes sociais ;)
Olá, poderia me colocar na sua lista de blogs?
ResponderExcluiro seu já está no meu.
http://doutormuquirano.blogspot.com/
Excelente postagem! Deixar a gratificação par depois para o médio/longo prazo é uma excelente forma de enriquecer, embora não seja fácil!
ResponderExcluirColoquei esta postagens como uma das melhores do mês de Fevereiro dos blogs de finanças e investimentos.
Abraço e bons investimentos.
Olá! Fantástico seu site. Estou tentando seguir seus passos... Aliás, para quem quiser saber mais sobre dividendos tem este e-book... O bom é que ele é grátis... Fica a dica. https://medium.com/@trocadopdg/e-book-gr%C3%A1tis-dividendos-aumente-suas-chances-na-bolsa-683d1769087f
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