quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Gratificação Postergada (A Chave do Sucesso) x Gratificação Imediata (A Chave do Fracasso)

Odisseia é a sequência de Ilíada e ambos são poemas épicos da Grécia Antiga atribuídos a Homero. Desde então, a palavra odisseia passou a significar, na maioria das línguas, qualquer viagem longa e difícil com características épicas (qualquer semelhança com a vida de cada um é mera coincidência).


Na Odisseia de Homero, este trecho exemplifica as dificuldades de se resistir às tentações da vida:

“Iniciada a viagem de volta, Odisseu e sua tripulação passaram pelas costas da Sicília, terra das sereias. As sereias eram ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com seu canto todos que o ouvissem, de modo que os infortunados marinheiros sentiam-se irresistivelmente impelidos a correr para elas atirando-se no mar, onde encontravam a morte. Instruído por Circe, Odisseu ordenou que todos tapassem os ouvidos com cera. Curioso em ouvir o canto das sereias, mas não querendo correr perigo, pediu que o amarrassem no mastro, proibindo-os de soltá-lo sob qualquer pretexto, nem que ele próprio pedisse, até terem passado pela ilha. Essas instruções não foram inúteis, pois ao ouvir as doces vozes e as promessas sedutoras das sereias ele ordenou várias vezes que o soltassem; felizmente, os marinheiros não o fizeram. E assim todos conseguiram resistir, embora não facilmente, às tentações do canto das sereias.”

Marshmallows 

Um famoso estudo do final dos anos 1960 realizado por Walter Mischel da Universidade de Stanford utilizou marshmallows para avaliar o comportamento de crianças pré-escolares no que diz respeito à gratificação imediata e à gratificação postergada. Se eles resistissem à tentação de comer um marshmallow, seriam recompensados com mais um doce alguns minutos depois. Algumas das crianças resistiram, outras não como pode ser visto no vídeo:


Um acompanhamento com os pais e professores dessas crianças, após alguns anos, revelou que aquelas que souberam aguardar pelo retorno do pesquisador se tornaram jovens mais seguros, decididos e bem-sucedidos. Tal experiência confirmou que pessoas pacientes, que conseguem aguardar os melhores momentos de uma situação para tomar ações, conseguem alcançar o sucesso com mais facilidade do que aquelas que são impulsivas e agem sem pensar.

Mais tarde, em 2011, cientistas fizeram um acompanhamento da pesquisa revisitando algumas das mesmas crianças, hoje adultos.

O estudo mostrou que as diferenças permanecem: os melhores em adiar a gratificação enquanto crianças continuam assim como adultos, e aqueles que queriam seus doces de imediato eram mais propensos a procurar gratificação instantânea quando adultos.

Além disso, imagens do cérebro mostraram diferenças fundamentais entre os dois grupos em duas áreas: o córtex pré-frontal e o estriado ventral.

“Esta é a primeira vez que localizamos as áreas específicas do cérebro relacionadas com a gratificação postergada. Isto poderia ter grandes implicações no tratamento da obesidade e de vícios”, diz o autor principal do estudo, o Dr. B. J. Casey.

No estudo atual, Casey recrutou 59 adultos que participaram quando crianças do estudo original. Como marshmallows são menos gratificantes para adultos, os pesquisadores realizaram outros testes.

Os resultados mostraram que o córtex pré-frontal do cérebro é mais ativo para quem espera a gratificação, e o estriado ventral, uma área ligada a vícios, era mais ativa em quem deseja gratificação imediata.

Os Problemas Financeiros dos Pobres e a Gratificação Imediata

Em estudo realizado por um grupo de pesquisadores e publicado no livro “Consumo na Base da Pirâmide” foi constatado que os problemas financeiros vividos pelas pessoas pobres originavam-se tipicamente de eventos inesperados que rompiam a linearidade do dia-a-dia. Como exemplo: desemprego, redução de renda, gravidez, separação, doença ou morte.O resultado era a inadimplência ou o pagamento da dívida.

A análise de relatos mostra uma sequência de eventos negativos que agravavam a situação:

Nilda: Prestações > desemprego > inadimplência > aumento da família > novo emprego com redução de renda > nome sujo
 

Juciara: Empréstimo para obra > desemprego > agiota > pagamento de dívida
 

Maria: Empréstimo para conserto da Kombi > roubo da kombi > perda do ganha-pão > agiota > ameaça de morte > venda da casa

Por que as pessoas pobres então não se encontram preparadas para esses eventos, que são, de certa forma, previsíveis?

Hipótese 1: Não há sobras o que impossibilita a poupança.

Para esta hipótese foi verificada uma incoerência no padrão comportamental dos entrevistados, pois ao mesmo tempo que afirmavam não terem sobras, utilizavam-se de cartões de prestações. Esta capacidade de pagas prestações e juros é chamada de “poupança invertida”, por mostrar a capacidade de fazer sobrar quando preciso. Em suma é a preferência do indivíduo de acumular bens em vez de poupar.

Hipótese 2: Consumismo ou Consumo compensatório.

Alguns autores observam que a inadimplência dos pobres encontra-se frequentemente associada a consumismo (gastar mais do que pode) ou consumo compensatório (adquirir bens como forma de compensar as dificuldades da vida). Porém os relatos dos entrevistados mostra que são os eventos inesperados (desemprego, doença, divórcio...) que geram o desequilíbrio financeiro.

Hipótese 3: Gratificação imediata x gratificação postergada.

Uma terceira explicação seria que as classes sociais mais baixas buscariam a gratificação imediata em detrimento da gratificação postergada. Porém, o estudo não constatou a dominância de visão de curto prazo. As pessoas faziam planos concretos para o futuro como adiar filhos ou privação de consumo para aquisição de casa própria. No entanto, não se descartou a gratificação imediata como tendo certo peso nas decisões dos entrevistados. A compra de bens a prestação pode ser tomada como evidência.

Em síntese, a gratificação imediata explicaria o fato das pessoas não acumularem reservas. No entanto, talvez a melhor explicação esteja associada às práticas de empréstimo comercial pelas lojas que não costumam conceder descontos por pagamentos à vista. Temos aqui uma das práticas mais perversas dos lojistas brasileiros: a inclusão sorrateira dos juros nos preços “à vista” dos produtos. Em 99% dos casos não há a opção de pagar à vista “com desconto” já que o preço parcelado é o mesmo do preço de parcela única, o que força o consumidor a absorver os juros escondido no preço à vista ou assumir uma divida de longo prazo em forma de pagamento parcelado. Mas isto é assunto para outro post...

Bom pessoal, espero que tenham gostado deste post, para pessoas que ainda não conheciam o teste do marshmallow pode ser algo realmente revelador.


Nesta curta palestra na TED, Joaquim de Posada compartilha seu experimento sobre gratificação postergada. Ele mostra um vídeo impagável de crianças resistindo a comer o marshmallow, associando a autodisciplina ao sucesso. 

Fontes consultadas:

Resenha Odisseia por Jolanda Gentilezza
Marshmallow test points to biological basis for delayed gratification
Consumo na Base da Pirâmide - Estudos Brasileiros